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setembro, 2023

#praticaartistica #artecontemporanea
Rosana Paste

Esculpir o tempo

A minha produção artística começou no ano de 1988, quando fiz minha primeira exposição na Galeria de Arte Pesquisa situada, na época, na Capela Santa Luzia, em Vitória. Foi uma coletiva junto com Freda Jardim, Jeveaux (Paulo César Henriques Jeveaux), Celso Adolfo Salles Ramos, Mac (Marco Antônio Rocha de Oliveira) e Hilal Sami Hilal. Tínhamos, naquela época, um grupo chamado Companhia do Mosaico Contemporâneo (1).

Entrei como como aluna na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em 1986 e minha produção artística inicia com essa exposição em 1988. Em 1992, termino a faculdade, e em 1993 começo a dar aula como professora substituta. No final de 1993, após um concurso, ingresso como professora efetiva de Escultura na Ufes. Venho atuando, desde então, na área da docência, do ativismo cultural e na área de gestão. Fui coordenadora do Festival de Verão (2) com o José Carlos Vilar, em Nova Almeida (Espírito Santo), durante toda a década de 1990, e Secretária de Cultura da Ufes de 2002 a 2012.

Atualmente sou coordenadora dos cursos de Artes Visuais. Atuei em projetos de extensão durante todo esse período nas Semanas de Artes realizadas junto aos municípios do Estado do Espírito Santo, e também em outros projetos que aconteceram nesse percurso.

Eu sou pesquisadora, atualmente, de dois projetos registrados no CNPq. Um dos grupos chama-se Estudo Paisagem, em que sou subcoordenadora junto com o professor João Wesley. O outro é um projeto de pesquisa sobre criatividade, educação e arte em que atuo junto a professora e pesquisadora Stella Maris Sanmartin há cerca de quatro anos. Esse trabalho de pesquisa tem dado muitos frutos com publicação de livro, participação em exposição, atuação com professores que estão na rede pública e privada. São pesquisas potentes e que interagem com a vida comum.

Rosana Paste e Jeveaux no Egito, durante o congresso do Mosaico Contemporâneo, 1996. Fonte: Acervo pessoal da artista.
A artista Freda Jardim com os organizadores do Congresso Internacional do Mosaico Contemporâneo no Egito, 1996. Fonte: Acervo pessoal da artista.
Rosana Paste e Freda Jardim durante o Congresso Internacional do Mosaico Contemporâneo no Egito, 1996. Fonte: Acervo pessoal da artista.

 

Sobre as questões que me movem como ser humano e como essas questões influenciam meu trabalho artístico, penso no cotidiano, no que me afeta e no que afeto, e nas minhas estratégias de sobrevivência. O tempo para mim não é linear, a ideia de Cronos, mas sim, Aeron, pensar o tempo como camadas que se sobrepõem e transversalizam nossa existência. A criança que fui está presente e sempre é ressignificada, ela atua e tem voz permanente, por exemplo, e assim sigo com todas as possibilidades de repensá-lo, reconfigurá-lo e utilizá-lo como matéria-prima do meu trabalho.

A minha mola mestra, o material permanente na produção das minhas esculturas, como costumo dizer, é o tempo. Eu estou esculpindo o tempo permanentemente. É ele que me move.

O motor da minha produção artística é a minha vida. Nessa estratégia, penso para além da minha história somente, mas naquilo que me cerca, o(s) ambiente(s) que eu vivo e a minha ancestralidade, que está presente em meu trabalho. Penso as dimensões do espaço e como tal espaço se relaciona comigo. Quando eu digo “espaço”, quero dizer meus deslocamentos, meus trajetos de bicicleta, minha ida para Venda Nova (ES), onde eu nasci. Sou ligada àquele território. E também meus deslocamentos emocionais, percebidos na relação entre vida e arte. 

Detalhe da obra “Entre Rainhas”, sete cadeiras pequenas em inox e veludo, feitas homenagem às sete irmãs da artista: Maria Cristina, Claudete, Rita Elvira, Aurea Angélica, Rosana Lucia, Nilzete, Karla, 2014. Fonte: Acervo pessoal da artista.

 

Pensar nos territórios que eu habito, na minha docência, no fato de eu dar aula todos esses anos, nessa minha trajetória como artista, também, são fatores influenciadores. São questões que me atingem, que afetam positivamente a minha produção artística. Então acho que é isso, o que me move é estar viva e produzir arte. Pensar em arte como uma possibilidade de me expressar e tentar me explicar enquanto essa encarnação que habita esse lugar. É claro que nesse pensar o ambiente eu tenho relações mais profundas com algumas estratégias e alguns artistas da nossa história.

Além disso, há referências sempre presentes. Uma pessoa que eu gosto muito e que estou sempre buscando nela um ponto de apoio é a artista Lygia Clark. Acho que tenho uma relação de busca, de diálogo mesmo com o trabalho dela. Outro ser vivente que me emociona, me impulsiona, me coloca pra cima, é o artista José Carlos Vilar, meu artista-professor e amigo. Sou uma artista formalista e herdei da nossa convivência essa escolha. Tenho uma ligação tão profunda com Vilar que ele foi o estudo da minha tese de doutorado.

Rosana Paste em um dia feliz em Nova Almeida (ES) com Nelson Leirner (à esquerda) e Vilar (à direita), década de 1990. Fonte: Acervo pessoal da artista.

 

A minha formação artística foi muito ampla, nós tínhamos disciplinas de muitas áreas. Por isso me considero híbrida, sou bastante mundana. Eu não sou muito purista, de ficar no ateliê, só desenho, só escultura. O mundo pode ser meu ateliê. Gosto de trabalhar com outras pessoas, dependo de joalheiros, ferreiros, marceneiros e outros para a produção dos meus trabalhos. 

Eu sou fruto da segunda metade da década de 1980, e, naquele período, na Universidade, participamos da entrada da performance e do vídeo como possibilidade de ferramentas e linguagens para a produção artística em Vitória. 

Na mesma época do Companhia do Mosaico Contemporâneo, em 1988, nós formamos um grupo de performance chamado Éden Dionisíaco do Brasil (1998–1992) (3). Esse grupo tinha uma série de estratégias para trabalhar com performance. Utilizávamos mais os palcos, o espaço ligado ao teatro, mas a nossa produção era totalmente performática, não linear, com muito pouco texto e muito mais plasticidade, muito mais o corpo agindo na possibilidade de contar uma história. 

No mesmo período, houve também a introdução do vídeo. Nós tínhamos acesso às câmeras de VHS, que estavam chegando na Universidade à época. Eu trabalhei como atriz para alguns longas-metragens de Sérgio Medeiros (cineasta capixaba) e trabalhava em vídeos experimentais com o Socó (Paulo Sérgio Souza, artista capixaba). Então minha formação teve essa coisa híbrida entre as artes visuais, as artes cênicas e o vídeo, usando a câmera como ferramenta, o espaço convencional do teatro para apresentar performance e tudo isso me faz ser livre para escolher o suporte que quero trabalhar, é isso que quero dizer quando digo: sou mundana, híbrida e não purista… sou livre! 

Isso marcou a minha história. Eu sou uma pessoa cujo primeiro raciocínio para produzir é a escultura, porque eu escolhi a área tridimensional para ser a minha trajetória, para me trilhar. Não sei pintar, não sei desenhar, mas eu sei de escultura, eu gosto do espaço. Eu sei trabalhar nesse lugar. 

Hoje, o escoamento desse pensamento já não tem mais uma devoção com a materialidade só da escultura exatamente pela minha formação. Acho que eu atuo no campo ampliado mesmo. Eu não tenho problema nenhum em ter qualquer suporte para produzir. Daí vem a imagem, por conta dessa minha formação com um perfil misturado, afetado, transversal. Não era cotidiano usar essas palavras, mas foi assim que a minha história começou, foi assim que eu aprendi e sou até hoje. 

Para fazer o trabalho chamado Geografia Genética (2000– 2023), que está diretamente ligado à minha família, eu escolho a fotografia como a matéria-prima. Mas ele só existe porque existem os corpos, o tempo, o espaço, o território. Meu pensamento vem como o de uma escultora que acaba traduzindo seu trabalho na materialidade da fotografia, do vídeo e de objetos.

Como eu falei, eu não sou uma artista purista, romântica, de ateliê. Costumo dizer que o primeiro ateliê da minha vida é o mundo. Onde eu estiver, vou produzir arte. Meu segundo ateliê é meu corpo. Onde eu estiver e meu corpo puder produzir, eu estarei com os meus ateliês em dia. Meu terceiro ateliê é meu caderninho, onde eu consigo sempre trabalhar as ideias, planejar. Ao longo desses anos, acho que a minha produção é gigante, é uma produção de muito pensamento. Hoje eu consigo ter um discurso e amadurecimento, por exemplo, de trabalhos da década de 1990 que ainda reverberam em mim e que agora eu sei que estão com um texto maduro. Talvez naquela época não tivesse a textualidade de hoje, e que hoje eu tenho porque eu fiz aquele trabalho. Aquele trabalho está em mim, ele pulsa em mim. Eu não tenho problema de passar dois anos só com o meu ateliê-caderninho, pensando em coisas, desenhando e escrevendo para depois ir para um ateliê no mundo, para construir as esculturas. 

Eu falo dessa estratégia de que o mundo é meu ateliê porque eu trabalho muito em parceria. Se eu preciso fazer um torno, eu vou numa tornearia. Se preciso de uma fundição em bronze, vou numa pessoa que faz a fundição em bronze. Se preciso de soldar, vou no soldador. Não tenho muitos problemas com isso. Ao contrário, eu gosto muito dessa relação do outro, de trabalhar com o outro, que me solucionem as coisas.

Para dizer que não há marcos importantes na minha trajetória, eu vou destacar alguns: em 2004, quando eu lanço meu catálogo Rosana Paste, na Galeria Virgínia Tamanini e, no mesmo ano, faço uma tatuagem nas minhas costas. Essa tatuagem é uma escultura que participou do Rumos Artes Visuais, em 1999 e 2000. Esse trabalho ainda está em processo, eu sou a matriz de sete corpos em que cinco deles já receberam a escultura. Outro momento importante, em 2014, que coincidentemente acontece dez anos depois, é o lançamento do meu livro eumuseuRosanaPaste. É um marco para o meu discurso enquanto artista plástica exatamente porque é um livro que traz uma produção não linear. É um recorte do meu corpo no espaço-tempo. Fala muito de mim, de uma busca pelos rastros, pela crítica genética do meu trabalho, feito em parceria com o Lobo Pasolini, a Taiza Ammar e o Josimar Nalesso. 

Escultura em processo (2004-); matriz em tatuagem no corpo da artista. Imagem do livro eumuseuRosanaPaste (2014).
“eu sigo até hoje achando que o mundo é o quintal da minha casa, e que aquele pedaço de céu é o mesmo e que me acompanha”. Fonte: Livro eumuseuRosanaPaste (2014).

 

Com relação a acontecimentos pessoais, tem muitas coisas que me marcaram: meu pai, a morte do meu melhor amigo chamado Mac, o nascimento do meu filho. Tem tanta coisa assim…, mas é uma coisa muito pessoal, que eu acho que influencia diretamente na minha produção. 

Outra coisa que está acontecendo agora, no ano de 2023, é que eu estou fazendo parte de duas exposições: Mulheres no Acervo da Ufes (4), junto a Tomie Ohtake, Lygia Pape, e outras pessoas importantes do cenário local, nacional e internacional. Acho superinteressante me ver nesse acervo, porque é uma outra leitura. O trabalho já está distante de mim, já faz parte de uma curadoria. E, no Maes (Museu de Arte do Espírito Santo), participo de um projeto com curadoria do Nicolas Soares, Modernidade, Futuro e Paisagem (5), está lindo e o Geografia Genética está lá num projeto muito maduro, muito maravilhoso do Nicolas. Então o ano de 2023 também está bonito para mim.

Eu tenho um texto aqui no meu livro que eu acho que traduz muito isso:

O tempo como escultor. 

O corpo humano é uma escultura à mercê do tempo e da genética. Ele cresce, se expande, adquire marcas, colorações e por fim, encolhe. Como escultura, é topografia, uma paisagem de relevos, cavidades, rios, plantas minerais. É uma amostra da terra (geo), cujo destino é amplamente determinado por genes (origem). A ação artística pode interferir nesse destino pré-traçado. Reterritorializando o corpo e, ao mesmo tempo, dialogando com a sua genética, fonte de história e o cinzel que realiza essa escultura lenta, mas que progride inexoravelmente. (6)

Imagens do livro eumuseuRosanaPaste (2014). Série Geografia Genética. Fonte: Acervo da Artista.

 

Eu não sei se estou falando de arquivar, mas eu acho que estou falando de uma realidade, talvez, de autocartografar. Eu li algumas coisas recentemente sobre a filosofia africana e eu tenho entendido o meu trabalho, talvez até muito mais, por meio dessa leitura. A morte é uma comemoração, no sentido de que você não está perdendo alguém, (porque) mesmo que materialmente essa pessoa não esteja mais ao seu lado, a ancestralidade ganha. 

Quando eu li isso, eu acho que o meu trabalho ficou mais “redondo”. Antes eu tinha uma estratégia bem “solitária” da geografia genética. Hoje, tenho pensado que o meu corpo não está só e carrega, como indica a Biologia, 600 anos de existência. 

Então se eu tenho 600 anos no meu corpo, tenho uma ancestralidade genética gigantesca (eu não falava a palavra ancestralidade antes, falava muito mais dessa “estratégia genética”). Como tal, eu posso ser parecida com alguém de centenas de anos atrás e que eu nem sei quem é, mas essa pessoa está em mim, mesmo que eu não tenha a dimensão de saber quem ela é. Então o projeto Geografia Genética, ao começar nos anos 2000, nasce com a pegada de tentar fotografar esses corpos que estão ligados ao meu corpo ao corpo do meu filho, que nasceu em 1998, e ao corpo da minha mãe, que nasceu em 1930.

Esse trabalho não começou agora. Ele começou em 1930, quando minha mãe nasceu. Por quê? Porque o tempo veio trabalhando esse corpo, que é primeiro o corpo da minha mãe. Depois, em 1967, o meu corpo e, em 1998, o do meu filho, Daniel. Inexoravelmente, esse tempo vai findar em algum momento e nós vamos ser somente ancestrais. Essa é a nova camada que trago para o meu trabalho.

Em 2013, eu tinha ganhado um edital e eu queria trabalhar com alguém que eu tivesse bastante proximidade e intimidade mesmo. Convidei então o Lobo Pasolini. Vivemos juntos na nossa juventude — até hoje a gente se relaciona, mesmo que ele more alguns tempos da vida dele em outro país. Convidei a Taiza, que eu conheço desde o final de 1990, quando ela foi minha aluna, e o Josimar, que também foi meu aluno. Toda sexta-feira nós nos juntávamos aqui na minha casa. Começamos a olhar os materiais, as caixas, aquilo que eu tinha produzido e guardado nessa trajetória entre 1988 e 2013. Percebi, com isso, que esse acervo começava muito antes, por trazer também coisas da minha família. Eu guardo o paninho que a minha avó bordou, a última blusa que meu pai usou, o cachimbo que a minha avó fumava. 

Fomos criando essa narrativa e, aí, chegou um momento que veio a clareza de que “nós, somos, de fato, museus”. Carregamos sempre objetos que trazem marcas da nossa vida, sejam elas afetivas ou não afetivas. Geografia Genética já existia desde 2000, como um trabalho que eu persigo, que insisto nele. Tem um banco de fotografias gigante, desde quando eu comecei a trabalhar com isso até hoje. Aí nós percebemos que nós “somos museu”. E a palavra museu tem o “eu” também na sua constituição. 

EumuseuRosanaPaste me dá muitas, muitas linhas de fuga. Ele reverbera e proporciona outras produções. Estou fazendo uma série “objetos que valem ouro”, objetos muito simplórios que fazem parte da minha história, da minha narrativa familiar. Os objetos que estão prontos dessa série são dois: a máquina que minha mãe tirava leite da teta dela para dar para os filhos, fiz a fundição, com um joalheiro, de uma gota de ouro que agora substitui o leite e cai desse objeto, e outro, um garfo muito antigo, que pertenceu ao meu nonno, o pai da minha mãe, que tem uma auréola de ouro. 

Enfim, eu acho que esse trabalho vai dar muito caldo ainda. Tô vivendo com ele, tô seguindo. Vamos ver até quando vai. Nesse momento, eu acho que ele vai até que eu esteja viva aqui. Quando eu virar ancestral, ele vai virar história.

 

Ao que eu tenho me dedicado hoje?

À minha produção. E também tenho pensado na produção de livros. Não gostaria que alguém tivesse que resgatar a minha história quando eu virar uma ancestral. Queria contar eu mesma a minha própria história. Tenho pensado muito em publicações e tido bastante desejo em organizar, por exemplo, a história do Éden Dionisíaco do Brasil. Tenho vontade de fazer, de criar, mesmo, um trabalho como artista, professora, com toda a minha trajetória — desde a minha entrada no mundo das artes até os dias de hoje. Tenho pensado muito nisso.

A minha produção artística é muito pouco vendável. Eu faço parte da galeria Matias Brotas, mas eu não acho que as pessoas trabalham com artistas “da terra” (locais) como trabalham com artistas de outros territórios. Então eu vendo muito pouco. 

Acho que o Arquivo Independente é muito bacana, criar uma plataforma para o acesso à produção dos artistas. Hoje nós temos muita possibilidade de o trabalho existir para além do seu tempo. Não vai ser uma dificuldade para ninguém da época atual deixar tudo organizado. 

Como falei, eu particularmente gostaria bastante de fazer isso e deixar minhas coisas em dia. Além disso, tenho me voltado também para a produção em grande escala. É uma coisa em que eu trabalhei bastante nas décadas de 1990 e de 2000, a “escala arquitetônica”, como costumo chamar, do meu trabalho. Tenho tido o desejo de voltar para ela, estou fazendo alguns projetos nesse caminho. Mas é isso, seguindo o fluxo.

Sobre parcerias, tive muitas em diálogo com a produção de artistas brasileiros, nacionais e internacionais. Eu acho que um ponto bastante importante na minha vida, que eu destaco bastante, foi a década de 1990, com o Festival de Verão, em que tive a oportunidade de conviver com artistas por quem guardo um profundo carinho, dos amigos que somos e fomos, daqueles que já se foram e daqueles que ainda estão vivos, com quem falo de vez em quando e tiveram uma importância muito grande na minha formação. 

Destaco o Ricardo Basbaum, que foi um cara superimportante na minha vida, e é ainda. Nós tivemos um encontro no Festival (ele veio várias vezes) e acho que foi nesse momento o meu despertar para a produção artística, a busca pela singularidade e minha linguagem. Entender aquilo que eu queria e seguir com coragem, isso vem do meu relacionamento com ele, um relacionamento bem fino. 

Destaco também o Nelson Leirner, que conheci no Festival de Verão e, depois, trabalhei na minha dissertação de mestrado sobre ele, com a exposição que ele fez no Museu da Vale, “Vestidas de branco” (2008). Na época, eu falei: “Nelson, vou aí no Rio de Janeiro para fazer uma entrevista com você” e a resposta dele foi assim: “nossa, Rosana, como você é velha, para quê existe email?!” (risos). Nós trocamos dezenas de emails, sobre o processo de construção e produção do trabalho “Vestidas de branco (7)”, e ele foi escrevendo sobre o processo dele. É um material rico, cheio de afetividades, e que eu guardo com muito carinho. A gente sempre se falava. Foi uma pena. O Nelson virou um ancestral, mas ele está em mim permanentemente, eu o sinto presente.

Cartaz do III Festival de Verão de Nova Almeida (1991). Acervo Midiateca do Espírito Santo. Disponível em: https://midiateca.es.gov.br/arquivopublico/acervo-digital-do-arquivo-publico-do-estado-do-espirito-santo/iii-festival-de-verao-de-nova-almeida-es/

 

E destaco, ainda, o Rodrigo Naves. Eu mantenho uma proximidade com ele, vou a São Paulo, falo com ele, ligo para ele, enfim, foi uma pessoa de extrema importância, que também conheci no Festival de Verão, e que reverbera até hoje na minha trajetória. 

Falo disso enquanto pessoas em nível nacional. Em nível local, eu não sei se eu poderia falar de todos que me afetam diretamente, mas como eu já falei antes, tem o Vilar — uma pessoa com quem eu tenho bastante proximidade, de quem eu gosto demais, com quem eu discuto meu trabalho, mostro meus croquis, pergunto como é que eu posso fazer, enfim, ele é meu eterno professor. E tem o Jeveaux também, uma pessoa extremamente importante na minha produção artística. Foi uma pessoa que me deu toda a oportunidade de trabalhar de forma próxima, muita segurança na minha maturidade, no meu desenvolvimento. As fotógrafas Márcia Capovilla e Simoni Guimarães, minha amiga até hoje, meu amorzinho. Eu vivia nos estúdios de fotografia, não saia de lá. Enquanto aluna, enquanto modelo, ficava disponível para quem quisesse fotografar, quem não tivesse como fazer estudo de luz eu estava lá. Acho que a fotografia também reverbera em mim por conta disso. Tive muito contato com ela, muita proximidade, muita fé, muito carinho. Com Neusa Mendes trabalhei como estagiária na Galeria Espaço Universitário (GAEU) ainda na década de 1980. Foi na época em que ela estava implantando na galeria o projeto educativo. Eu e Lobo Pasolini fizemos parte dessa construção e atuação no ensino e aprendizagem não-formal. Aprendi muito com ela e com a GAEU de um modo geral.

Eu tenho uma filosofia de vida, sabe, que quanto mais local, mais globalizada eu estarei. Então eu não sei se eu quero ser famosa em Paris. Mas se as pessoas me conhecerem no meu Estado, eu vou ser muito feliz. Fico emocionada só de pensar que eu posso ser uma representatividade aqui, que meu trabalho pode circular e ter uma influência nas pessoas daqui. Eu acho que o Nordeste nos deu muita lição em relação a isso. De um crescimento respeitoso para com os artistas do próprio local. Recife é um lugar que nasce, vive assim, não é preciso São Paulo para você despontar para o mundo. As pessoas têm muito respeito e relação de afetividade.

Então, acho que é isso, acho que é por aí. 

 

Queria agradecer demais a oportunidade de fazer parte desse projeto que vocês estão constituindo. Espero que ele dê supercerto. Vocês me perguntaram a que eu tenho me dedicado, principalmente, hoje… eu estou muito dedicada ao afeto, sabe. Nossa, a cada dia mais. Eu tinha esperança de que a humanidade ficasse um pouco mais afetuosa depois da pandemia, mas não sei, eu estou desesperançosa. Então eu preciso amar. Eu preciso de amor e é por isso que eu estou aqui nessa vida.

1. Grupo cuja primeira formação foi constituída por Freda Jardim (in memoriam), Paulo César Henriques Jeveaux, Celso Adolfo Salles Ramos, Hilal Sami Hilal, Rosana Paste, Marco Antônio Rocha de Oliveira (o Mac, in memoriam). O artista Hilal Sami Hilal deixou o grupo algum tempo depois; o restante das pessoas artistas, contudo, seguiu atuando entre os anos de 1990 e 2002.

2. O Festival de Verão foi um evento realizado em diversas edições na cidade de Nova Almeida, Espírito Santo, com a participação de artistas locais e nacionais. Foi organizado durante uma década (1989–1999) pelos professores do Centro de Artes da Ufes. Para mais informações, ver a dissertação de mestrado intitulada Amarelinho: uma experiência com arquivos dos festivais de verão em Nova Almeida, de Edison do Carmo Arcanjo, disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/1627.

3. O Éden Dionisíaco do Brasil foi um grupo formado por Rosana Paste, Celso Adolfo de Salles Ramos, Marco Antônio Rocha de Oliveira, o Mac (in memoriam), Cleber Carminati (in memoriam), Sáskia de Sá e Gabriela Lima. Atuaram de 1988 a 1992 com apresentações em Vitória e em outros municípios do Espírito Santo, pelo circo do Departamento Estadual de Cultura (DEC), e do Teatro Sérgio Porto–RJ. O DEC tinha um circo completo e era itinerante. No Verão, por exemplo, deslocava-se para o litoral e passava uma semana em cada município. Levava espetáculos teatrais musicais de Vitória com participação de artistas da cena local, de forma gratuita e constante. Também oferecia oficinas de formação para professores e a quem tivesse interesse. Além de apresentações, o Éden oferecia oficinas nas área de figurino e cenografia, entre outras.

4. Exposição com curadoria de Ananda Carvalho na Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes, 2023, com participação das artistas Andrea Abreu, Charlene Bicalho, Denise Pimenta, Elisa Queiroz, Fayga Ostrower, Juliana Morgado, Lara Felipe, Lygia Pape, Mara Perpétua, Márcia Capovilla, Marta Baião, Nelma Guimarães, Nelma Pezzin, Rosana Paste, Simone Guimarães, Tatiana Rosa, Thaís Apolinário, Thais Graciotti e Tomie Ohtake. Informações disponíveis em: https://galeriadearte.ufes.br/curadoria-1

5. Exposição realizada em diálogo com o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees), sobre a relação entre a paisagem e os processos de modernidade. Reuniu onze obras selecionadas do acervo do MAES, de artistas como Dionísio Del Santo, Raphael Samú, Maurício Salgueiro, Levino Fânzeres, Celina Rodrigues, Rosana Paste, entre outros, em diálogo com fotografias selecionadas do acervo do Apees.

6. Excerto do livro eumuseuRosanaPaste, p. 24, 2014.

7. A exposição aconteceu no Museu Vale (ES) em 2008. Mais informações: https://homolog-site.museuvale.com/exposicoes/1/16

É artista-professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo desde 1994.